A “morte” e o renascimento do Metal Underground – Parte II: A revolução permanente das máquinas

Na seção anterior desta matéria, apontamos a existência de um florescimento dentro do Heavy Metal Underground – que vivia um período de declínio e de desmobilização das cenas locais após a ascensão da Internet.

Nos últimos anos, uma efusão dentro do Underground vem ocorrendo, com bandas novas surgindo e bandas antigas, outrora dormentes, lançando material novo e de qualidade.

Nesta parte, tentaremos entender como se deu esse processo de renascimento. O avanço das tecnologias, coisa que se mostrou o algoz da Cena Metal que prosperou nas décadas de 80 e 90, fornece, ele próprio, as ferramentas que hoje impulsionam a sua reexpansão.

Essa compreensão demanda uma contextualização, e é importante que tenhamos uma ideia do poder de transformação que a tecnologia tem exercido sobre a música, de maneira geral, nos últimos 100 anos. Exemplificaremos isso sinteticamente voltando nosso olhar à algumas décadas, nos primórdios da indústria fonográfica.

Durante a primeira metade do século XX, a popularização dos registros sonoros em mídias mecânicas mudou para sempre a maneira de se ouvir música. Antes disso, as opções disponíveis ao público restringiam-se a comparecer a concertos ou executar pessoalmente em ambiente doméstico, estudando e tocando instrumentos musicais. Nada disso era acessível, de maneira prática ou barata, à maior parte da população.

O advento do gramofone (e seu disco de acetato) trouxe uma nova perspectiva à música mundial: Agora, através de um material físico produzido industrialmente, um mesmo registro poderia ser reproduzido inúmeras vezes, sem custo adicional, e sem requerer qualquer tipo de treinamento.

O gramofone representou um divisor de águas na história. Com ele, a música foi trazida, definitivamente, para dentro das residências.

Assim, o mercado da música sofreu uma revolução. Juntamente com a possibilidade da gravação de álbuns, a reprodução deles nas casas e nas estações de rádio proporcionou um alcance até então inimaginável.

Artistas se tornaram gigantes, e os entes fonográficos que os produziam viraram verdadeiros leviatãs econômicos. A indústria das partituras, os intérpretes profissionais e as casas de espetáculos, protagonistas na era anterior, tiveram sua importância drasticamente reduzida.

Antes de os sons poderem ser gravados e reproduzidos, a indústria de partituras dominou o mercado da música por muitos séculos.

Começava, então, a era das grandes gravadoras e dos grandes estúdios. Os equipamentos existentes já possibilitavam gravação de som com extrema qualidade, mas demandavam grandes investimentos.

A produção de material de alto nível praticamente só se dava através de grandes empresas fonográficas que, além de disporem dos fundos necessários para bancar os grandes estúdios e fabricar os discos, utilizavam seu poderio econômico para adquirir espaço nos meios de difusão cultural (rádio e televisão), tornando-se, assim, donas de todos os canais que comunicavam o artista com o grande público.

Isso dava a essas empresas o poder de influir nos processos criativos de seus artistas contratados, visando maximizar as vendas e lucros. Artistas realmente independentes ou experimentais não costumavam ter espaço algum nessa indústria, com poucas exceções. A maioria, que não conseguiu gravar discos, já caiu no esquecimento e no limbo da história.

Abbey Road Studios: Um dos símbolos da era dos grandes estúdios. Aqui clássicos do Rock foram gravados por gigantes como Beatles e Pink Floyd.

No decorrer das décadas, os custos envolvidos nos processos de gravação foram decaindo, principalmente devido aos avanços na tecnologia, que baratearam os custos dos equipamentos e possibilitaram uma oferta maior de estúdios de gravação.

Isso, eventualmente, tornou viável o aparecimento de selos musicais de orçamentos menores, dedicados a segmentos musicais especializados, sem grandes apelos populares, mas com nichos de público dedicados. Apesar de não possuírem as mesmas condições das grandes gravadoras, a liberdade criativa dos artistas estava mais assegurada.

Foi aí que, entre diversos outros gêneros, as vertentes mais extremas do Heavy Metal conseguiram fundar suas discografias, que atravessavam continentes e oceanos para influenciar cenas musicais à distância. Jovens brasileiros ouviam álbuns de grupos como Venom, Slayer, Celtic Frost, Mercyful Fate, Possessed e muitas outras, e encontravam ali uma forma de expressão com a qual conseguiam se identificar.

Muitos deles, inspirados por esses artistas, decidiam formar suas próprias bandas. Assim, começava a fervilhar a cena headbanger brasileira. Pode-se concluir, então, que o Metal Underground no Brasil é fruto, também, de avanços tecnológicos.

As primeiras gerações de bandas de Heavy Metal lançaram álbuns que influenciaram cenas locais pelo mundo. Muitos deles são, até hoje, reverenciados como clássicos. [Acervo: Tersis Zonato]

Como já foi esmiuçado no artigo anterior, o Underground brasileiro estava em plena efervescência nas décadas de 80 e 90. Não havia por aqui, entretanto, as mesmas condições para que a maior parte das bandas gravasse material de qualidade.

A produção de material era dispendiosa e de baixa qualidade. Muitas bandas cresceram e morreram sem lançar álbuns. Essa realidade se manteve até a virada do século e a chegada da Internet, que trouxe as conseqüências nefastas que detalhamos na primeira parte da matéria. As dificuldades para a cena Underground iam se acumulando, e o prognóstico parecia sombrio.

A era digital, que começou por deteriorar o tecido que unia a cena, apresentou uma luz no fim do túnel. A digitalização dos processos, o avanço nos softwares e o aprimoramento das máquinas permitiram o surgimento do fenômeno do home studio que, juntamente com as plataformas de distribuição digital, foram o gérmen da revitalização do Undergound.

Artistas começaram a produzir seus próprios materiais e colocá-los em circulação a um baixo custo. Logo uma nova safra de produtores, oriundos do home studio, passou a acumular conhecimentos e atuar comercialmente, proporcionando, finalmente,  a possibilidade de produzir material de qualidade internacional a um custo acessível à todas as bandas.

Um dos expoentes dessa nova geração de produtores é Alysson Irala, da Funds House Studio, em Curitiba-PR. Músico conceituado, está há seis anos na ativa como produtor. Já produziu dezenas de trabalhos de artistas locais e tem recebido excelentes avaliações pelo seu trabalho, tanto local como internacionalmente.

Alysson nos contará como o home studio teve importância na sua carreira de produtor e quais são as perspectivas atuais dos artistas do Underground e dos novos produtores. Ficou interessado? Não perca a terceira e última parte desta matéria!

Vivenciou essas transições? Elas afetaram sua vida como ouvinte, músico ou produtor? Tem alguma experiência a acrescentar? Compartilhe conosco nos comentários abaixo.


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