Formada em 1984, a banda de black metal norueguesa Mayhem tem uma trajetória controversa. Embora seja uma das bandas mais influentes dentro desse cenário, os fãs mais ortodoxos defendem que eles perderam sua essência com a morte do guitarrista e membro fundador Euronymous, ignorando os álbuns que sucederam “De Mysteriis Dom Sathanas” (lançado em 1994). Apesar de o considerar um marco incontestável na história do black metal, devo dizer que os lançamentos subsequentes me causam grande impacto a cada audição.
Essa série de resenhas irá expor o meu entendimento sobre cada um deles, relacionando a minha experiência desde o descobrimento até a assimilação.
Nessa primeira parte, irei descrever como conheci a banda e falar sobre o EP “Wolf’s Lair Abyss” que servirá como base para compreender o álbum seguinte, o polêmico “Grand Declaration of War”.
Minhas primeiras percepções
Ouvi falar deles, pela primeira vez, quando eu tinha uns 16 anos, mais ou menos no ano de 1998. Mesmo sem nunca ter escutado as músicas, fiquei intrigado com a história deles.
O vocalista Dead se matou com um tiro de espingarda na cabeça e foi encontrado pelo guitarrista Euronymous, que não só tirou fotos do cadáver – sendo que uma delas virou capa de um bootleg ao vivo –, como fez um colar com um pedaço do crânio de seu amigo.
Dois anos mais tarde, Euronymous foi esfaqueado até a morte pelo então baixista da banda, Varg Vikernes (da one-man-band Burzum), responsabilizado também por ter incendiado algumas igrejas da Noruega.
Nessa época não havia a acessibilidade de informações que temos hoje e, por conta disso, era bem difícil encontrar material sobre bandas underground. A internet estava começando a se popularizar, mas não haviam muitos sites com informações sobre metal.
Era ainda mais difícil encontrar músicas para ouvir e, quando as encontrava, a limitação de velocidade dos modems da rede discada impossibilitava o download. Além disso, eu era jovem e não conhecia muitas pessoas que escutavam metal, então, eu tinha ouvido apenas boatos (que até aquele momento eu não sabia se eram reais ou não).
Para minha sorte, consegui adquirir o clássico “Live in Leipzig” (gravado em 1990 e lançado em 1993) na antiga loja Hard Temple em Curitiba/PR, especializada em CDs e camisetas de rock e heavy metal. Ouvi pequenos trechos no CD player da loja e senti algo misterioso e muito denso soando nos fones de ouvido: aquele som sujo pulsava e, ao mesmo tempo, me extasiava.
Comprei o digipack na hora! Esse lançamento conta com uma das formações mais clássicas: Dead (vocal), Euronymous (guitarra), Necrobutcher (baixo) e Hellhammer (bateria).
Numa aura extremamente caótica do ano de 1993, estava sendo gravado o álbum que, para mim, é certamente o maior dentro da esfera do metal extremo: “De Mysteriis Dom Sathanas”.
Lançado em 1994, é uma referência absoluta dentro do black metal. Encontrei o CD na Temptation, extinta loja localizada no centro de Curitiba. Eu já conhecia 4 das 8 faixas do disco, pois estão presentes também no “Live in Leipzig”: “Funeral Fog”, “Buried by Time and Dust”, “Pagan Fears” e o clássico absoluto “Freezing Moon”.
Attila Csihar, membro convidado para gravar os vocais do disco, realizou algo ímpar: sua voz é sombria e horripilante, combinando perfeitamente com a atmosfera daquela época.
Fiquei chocado! Esse álbum conta com as guitarras de Euronymous e as linhas de baixo de seu assassino Varg, além de Hellhammer na bateria. A banda afirmou que o baixo foi totalmente regravado, mas Hellhammer acabou revelando anos depois numa entrevista que apenas remixaram a pista original. Um álbum sensacional que deve ser ouvido do início ao fim e sem interrupções.
A banda retorna das cinzas entre 1994 e 1995 para participar de uma homenagem na coletânea “Nordic Metal: A Tribute To Euronymous” com a faixa “Pagan Fears”. Dessa vez, com Maniac (vocalista que gravou o primeiro EP, em 1987), Necrobutcher (baixista original), Hellhammer (baterista desde 1988) e Blasphemer (guitarrista). Eles gravaram também a faixa “Visual Aggression” para o tributo “In Memory of Celtic Frost”, lançado no ano seguinte.
Lembro de ter alugado o tributo ao Celtic Frost numa antiga locadora de CDs chamada Clean Sound apenas para poder ouvir a faixa do Mayhem. Me interessei também para ouvir as versões gravadas por Enslaved e Emperor, mas acabei descobrindo outras grandes bandas que eu ainda não conhecia muito bem naquela época como Cianide, Grave, Opeth e Slaughter.
Quanto ao “Nordic Metal”, encontrei a versão original da Necropolis de 1995 também na Hard Temple e ouvi o CD incansáveis vezes. A coletânea imortalizou na minha memória as faixas “Untrodden Paths (Wolves Pt. II)” do Marduk, “Where Dead Angels Lie” do Dissection e “Raudt Og Svart” do Arcturus, além sinistra “Ærie Descent” do Thorns..
Ainda com a mesma formação da era pós-Euronymous, a banda lança “Grand Declaration of War”. O álbum é o mais experimental, ousado e, talvez, o mais odiado na discografia até os dias de hoje. Lançado no ano 2000, foi uma decepção para muitos fãs da velha escola.
Para tentar compreendê-lo, é preciso dividi-lo em 3 partes:
PARTE I
Voltando 3 anos no tempo, a banda lançou em 1997 o EP “Wolf’s Lair Abyss”: com aproximadamente 25 minutos de duração – para os padrões de hoje, poderia até ser considerado um full-length.
Após o sucesso do icônico “De Mysteriis Dom Sathanas”, muitos fãs achavam que a banda acabaria de vez ou que o seu retorno iria propiciar uma continuação daquela obra, no entanto, eles caminharam na direção oposta. Adquiri o CD no formato digipack também na Hard Temple em meados de 1999 e, desde então, ouço com bastante frequência.
A sonoridade do EP, extremamente agressiva e poderosa, desafia o ouvinte com um som contemporâneo e inteligente, nunca explorado dentro do gênero até aquele momento.
Uma introdução de ruídos e cornetas anunciam, quase que com um tom de guerra, o caos de uma nova era que está por vir, onde a frase “militant men in peaceful times attack themselves” (traduzido como “homens militantes em tempos de paz se atacam”) é repetida 3 vezes.
“I Am Thy Labyrinth” inicia com uma virada de bateria que foge do roll padrão encontrado nas bandas de metal extremo da época, seguida de riffs muito rápidos e com acentuações complexas no cymbal, que acompanham as frases das guitarras e, ao mesmo tempo, criam uma música extremamente técnica e brutal. Os vocais limpos, lembrando uma espécie canto gregoriano profano, são sobrepostos pelos gritos ríspidos e agudos de Maniac.
“Fall of Seraphs” inicia num ritmo mais cadenciado com bumbos lineares e acentuações na caixa da bateria, seguindo os riffs de guitarra. Há então uma pausa onde a guitarra é evidenciada, chamando bateria e baixo para que entrem algumas frases sussurradas. O que vem em seguida é uma música rápida e cheia de tempos complexos contendo também alguns vocais limpos.
Em “Ancient Skin”, é preciso destacar 2 características: o andamento controlado (que explode em um momento de brutalidade e depois retorna à velocidade inicial) e o interlúdio, somando guitarra e baixo distorcidos (numa espécie de fuzz uniforme).
Certamente, o auge do EP é a última faixa “Symbols of Bloodswords”: a emoção presente em sua introdução e nos riffs subsequentes é algo indescritível. Quando essa música toca, realmente não consigo fazer mais nada além de ouvi-la com muita atenção, me segurando para ficar parado.
As dissonâncias, os tempos sofisticados e as estruturas não convencionais das músicas são executadas com a perfeição de um relógio suíço, fazendo com que esse lançamento tenha um lugar muito importante na história do gênero, pois inspirou diversas bandas de black metal avant-garde posteriores.
“Wolf’s Lair Abyss” é um disco com músicas inteligentes e com muito feeling feito por músicos que certamente estudaram muito para chegar nesse resultado.
Não perca o próximo post desta série, onde daremos continuidade à compreensão de Grand Declaration of War! Enquanto isso, ouça o EP e deixe sua opinião nos comentários…
Excelente post! Aguardando ansiosa o próximo! ?
Sensacional meu amigo!!! Parabéns, ….perfeita a resenha….conheço bem s banda e sempre curti desde q surgiu…já surgiu com polêmicas….o resto todo mundo sabe…saúde & sucesso sempre para vc !!!
Obrigado Ingrid e Marco. Essa banda foi uma das principais responsáveis para abrir meus ouvidos e minha mente para o lado oculto do metal. Em breve irei postar mais um texto…
Excelente tersis ! Bah lembranças de quando alugavàmos cds de metal em videolocadora…kkk. eu gosto muito do doom mysteriis… eu tinha o live. Vendi alguns mêses atrás junto com o último de estúdio que tenter ouvir umas três vezes e não desceu. Na verdade, faz tempo desde 2003/2004 que não escuto ou tenho acompanhado a cena de b.m. gringa.
Mas certeza que mayhem é uma grande banda apesar de todas as polêmicas em volta dela. Abraço
Pois é Walter, bons tempos… as locadoras foram importantes na minha trajetória: meus primeiros contatos com muitas bandas foram em revistas, mas só consegui ouvir algumas delas um tempo depois quando tive a oportunidade de alugar os CDs. =)
Eu cheguei no Mayhem em 1999 exatamente no live in Leipzig, achando que era um disco ou música da banda malkuth!.. só havia o digipack importado como disse e pessoal da loja não podia abrir pra mim… Fiquei com essa curiosidade na banda por uns 02 anos .. até que um dia me emprestaram o vinil e ouvi sem saber que era esse disco!.. Fiquei congelado por dias pra assimilar a demência do dead… Fui estudar à fundo a história e fiquei fascinado pelo Black Metal norueguês.. esse necropolis do euronymous conheci com um colega que teve a hombridade de me emprestar uma fita k7 e quando rolou o abruptum já era! Mudei radicalmente o visual e fui fundo no abismo!..
Muito legal saber dessas histórias… O impacto da banda também foi muito grande em você também! Obrigado pelo comentário e por compartilhar isso com todos =)
Grande resenha!
Obrigado Luiz!